Os 500 anos da conversão de santo Inácio de Loyola

Um convite a “ver novas todas as coisas em Cristo”

 

Este ano, a Igreja de Cristo, juntamente com a Companhia de Jesus e todos nós inacianos e inacianas celebramos os 500 anos da conversão de santo Inácio de Loyola. É tempo de vivenciar o Ano Inaciano (2021-2022) cujo lema é “ver novas todas as coisas em Cristo”.

Convocado pelo superior geral dos Jesuítas, padre Arturo Sosa, o Ano Inaciano pretende ser não apenas uma memória da conversão de Inácio, mas, sobretudo, “um chamado a permitir que o Senhor trabalhe em nossa conversão” (Pe. Arturo Sosa, sj). Deste modo, ao contemplarmos o processo que levou Inácio de Loyola a mudar seu olhar para si e para o mundo, possamos examinar nossos processos de conversão, abrindo-nos para a novidade e a esperança que só Cristo pode nos dar.

Recordemos, pois, aqueles anos de 1521…
Íñigo Lopez de Loyola, nome de batismo de Inácio, era um jovem ambicioso, inclinado às aventuras militares e “entregue às frivolidades do mundo”. (LOYOLA, 2006, p. 32). Entretanto, tudo irá mudar em uma segunda-feira de Pentecostes, 20 de maio de 1521, quando, na batalha contra os franceses em defesa do castelo de Pamplona, uma bala de canhão atingirá suas pernas, estraçalhando a direita e deixando lesões na esquerda. O sonho do jovem cavaleiro de se transformar em herói e possuir o amor de uma donzela é desmoronado. No entanto, uma outra aventura começaria; efeito de uma bala de canhão que repercute há 500 anos! Os primeiros jesuítas lembram dessa data como “o verdadeiro nascimento de seu fundador, Inácio de Loyola”. (EMONET, 2016, p. 18).

O jovem basco iria descobrir uma vida interior que até então desconhecia. No tempo de convalescença em casa de Madalena, sua cunhada, Íñigo pediu alguns livros de cavalaria, de grandes heróis e belas damas que tanto admirava a fim de preencher suas horas. Foram-lhe oferecidos, porém, dois livros: Vita Christi, escrito por Ludolfo, o Cartuxo, e Lenda Áurea ou Legenda Dourada, do dominicano italiano Jacopo de Varazze, livros esses que ajudaram a formar a piedade popular da Baixa Idade Média.

Íñigo iniciaria uma atividade hermenêutica diante do texto e, mediante essas leituras, novas representações vão surgir em seu imaginário. Lembranças, sonhos, desejos (antigos e novos) e sentimentos: tudo isso o move profundamente. Um mundo novo vai sendo descortinando a Íñigo, confirmando o que o filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005) diz quando o leitor, diante do texto, começa a realizar, através da leitura, um processo de interpretação de si, ou seja, “um sujeito que, doravante, se compreende melhor, se compreende de outro modo, ou mesmo começa a se compreender”. (RICOEUR, 1978, p. 152).

Descobre-se a chamada vida interior e inicia um caminho para o seu eu interior; uma verdadeira peregrinação em busca de si mesmo. Atento e introspectivo, Iñigo perceberá que quando ele pensava nas façanhas e nas honrarias da cavalaria e na conquista de uma donzela, todas essas lembranças acabavam deixando-o cansado, “árido e descontente” – desolado. Porém, o desejo de imitar a austeridade dos santos e realizar façanhas ainda maiores que as deles o deixava realizado e feliz; mas não só: quando deixava esses pensamentos, percebeu que ele ainda ficava “contente e alegre” – consolado. Consciente desses movimentos e refletindo sobre o significado deles, Iñigo, segundo sua autobiografia, descobre uma luta de espíritos . (LIMA JUNIOR, 2018, p.45). Surge, então, o apelo a uma conversão de vida radical, sendo o discernimento dos espíritos sua primeira experiência espiritual. “Esta polaridad fundamental, más basada en un sentir que en un entender, es que oriento su primera elección: un cambio radical de vida que, de soldado y cortesano, le convertiriá en peregrino”. (MELLONI, 2001, p. 32).

De Iñigo – que conhecia a Deus pelo senso comum da religiosidade de sua época – nasceu Inácio, que se encontra na descoberta de Deus através da experiência. Confirma-se, assim, o trecho do Documento de Aparecida que diz que, não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva. (Dap. 12).

Entrar em um processo de conversão é o convite deste Ano Inaciano. Poderíamos pedagogicamente nos perguntar: qual a minha “bala de canhão” que ajuda na minha conversão? Assim como Inácio há 500 anos teve um olhar diferenciado para todas as coisas, o mesmo convite/apelo é feito, hoje, a cada um de nós e a você prezado(a) leitor(a): perceba, em seu cotidiano, as pessoas com quem você convive; repare (no sentido de dar importância) aquelas que apenas passam por você. Contemple a calma da natureza e a agitação do centro urbano, e veja a beleza escondida em tudo. Expanda seus sentidos à vida que está acontecendo agora, no hoje, no instante, procurando perceber onde e como o amor de Deus revela-se no seu cotidiano, te convidando à vida nova, à autêntica conversão e a um entusiasmo interior e apostólico.

O convite é simples mas humanamente profundo: sentir e saborear internamente a dinâmica que Inácio experimentou. Um olhar para a nossa própria história (numa experiência de descida em si mesmo) e um olhar para o mundo (numa experiência de descida em direção ao outro); e nesses dois olhares, ver novas todas as coisas em Cristo, rumo ao Magis (Ser Mais) para poder em tudo amar e servir.

 

Por Pedro Lima Júnior
Professor de Ensino Religioso e agente de Pastoral no Instituto Educacional Imaculada (Campinas-SP). Historiador (UFJF), mestre em Ciências da Religião (PUC-Campinas) e doutorando em História Literária (Unicamp) onde pesquisa autobiografias de conversão de místicos católicos do século XX.

 

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