Cuidar do ser humano em todas as suas dimensões, numa perspectiva integrativa e relacional, é fundamental para garantir a qualidade de vida.
Todos nós desejamos ter uma vida saudável. Escutamos dos mais antigos que “prevenir é melhor que remediar” e, realmente, percebemos a importância de ações preventivas para a saúde do corpo e da mente de nossos educadores, educandos e suas famílias. Nesse aspecto, cuidar do ser humano em todas as suas dimensões, numa perspectiva integrativa e relacional, é fundamental para garantir a qualidade de vida.
A saúde mental refere-se à capacidade de lidar bem com emoções e sentimentos e, a partir do momento que se tem uma boa relação consigo mesmo, alcança-se uma saudável relação com o outro. A consciência e a valorização pessoal, aliadas à percepção dos limites próprios da natureza humana, nos ajudam a nos percebermos como seres de possibilidades, mas limitados, inacabados. Mário Sérgio Cortella, em seu livro “Não nascemos prontos”, fala sobre a importância de se ter um olhar para o mundo e para si mesmo na perspectiva de seres em construção para se alcançar uma existência significativa e gratificante.
O ser humano é movido pelo desejo, que o conduz às ações, resultando na constituição de sua identidade e subjetividade. Ele possui uma capacidade infinita de superação, pois consegue lidar com as perdas, gerenciar conflitos e se adaptar a novas e diferentes situações. É detentor de uma força interna e de um potencial, que lhe permitem enfrentar as adversidades, os desafios, mas é preciso que acredite em tudo isso.
Assim, o autoconhecimento, a autoimagem e autoestima determinam o nosso estilo, qualidade de vida e o modo como nos posicionamos nas relações interpessoais.
Quando pensamos em uma criança na escola, a imagem que nos vem à mente é a de alguém sorridente, alegre, explorando todos os ambientes com prazer. Entretanto, com o passar dos anos escolares, deparamo-nos, já na fase da adolescência, com alguns desses estudantes sem motivação, com pouco interesse pelos estudos, demonstrando escasso envolvimento com os conteúdos apresentados. Há uma perda considerável pela satisfação de estar na escola e a motivação que o mantém é, principalmente, a convivência com os colegas no ambiente da sala de aula. A escola deixa de ser um lugar prazeroso da infância e passa a ser, para o adolescente, o lugar da cobrança, do compromisso e das responsabilidades com o estudo, tendo como meta o ingresso na universidade.
Conhecimento e Satisfação
Não podemos desconsiderar a necessidade de um ensino de qualidade, porém, o grande desafio para uma escola pautada na formação integral do aluno é conciliar o atual sistema educacional brasileiro com o ambiente escolar que oportunize ao aluno a vivência do seu protagonismo. Cabe a nós, educadores, conciliar a transmissão de conhecimentos de forma sistematizada com uma educação humanizada, em que o aluno tenha prazer em aprender, sinta-se engajado e demonstre encantamento em sala de aula. Rubem Alves fala sobre o despertar do prazer de aprender: “Só aprende quem tem fome e por isso é preciso despertar a fome de saber. Ensinar o voo não é tarefa que se possa fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado, só pode ser encorajado.”
Como gestores, necessitamos encontrar alternativas para resgatar, nos estudantes, a satisfação pelo prazer de aprender e a consciência de que a dedicação ao estudo é de suma importância para seu futuro. Essa tarefa é desafiadora, haja vista o contexto atual que apresenta um “cardápio” excessivamente variado de profissões que não exigem formação acadêmica e prometem retorno financeiro elevado, entretanto muitas delas são efêmeras ou ilusórias. Logo, é notória a importância do papel exercido pela escola na formação integral do indivíduo.
Nessa interação, que constitui um ambiente de formação e aprendizagem na escola, temos que nos atentar para o momento atual e para o nosso compromisso em preparar nossos alunos para fazer uso adequado e consciente das ferramentas tecnológicas e das mídias sociais.
Vivemos o que Bauman chama de “modernidade líquida”, uma sociedade marcada pela liquidez, volatilidade e fluidez. Convivemos com nossos alunos inseridos no contexto do imediatismo, da velocidade das informações, das incertezas, inseguros diante do futuro, estabelecendo relacionamentos superficiais, com dificuldade de lidar com o “novo”, em uma cultura do descartável, utilizando longos períodos de exposição diante da tela do computador ou do celular, sem a condição necessária para absorver de maneira crítica e sensível o que está sendo transmitido. Há um predomínio do princípio do prazer em detrimento do princípio da realidade.
Pais e Filhos
Os pais demonstram dificuldade em dialogar com seus filhos, adotam discursos motivacionais, relatos de experiências próprias, cobranças e imposições que se apresentam, muitas vezes, eficazes. Porém esse impacto positivo é efêmero, e o comportamento inadequado repete-se. Outros pais se mostram ausentes, estabelecendo relacionamento desprovido de atenção e cuidado com os filhos. Percebemos, assim, que os pais, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio, por não quererem que seus filhos sejam contrariados, frustrados, adotam atitudes de superproteção, muitas vezes colocando-se contrários aos posicionamentos da escola em relação aos limites e às normas institucionais. Isso evidencia a necessidade de ressignificarem seu papel na educação dos filhos. É preciso rever os valores do núcleo familiar, onde o amor, que pressupõe ternura e firmeza, é substituído pela permissividade e escassa ausência do exercício da função materna e paterna. Lamentavelmente, ainda se constatam situações em que a preocupação parental está mais voltada para prover os filhos de bens materiais do que para a presença significativa e afetuosa, talvez como forma de compensar a ausência.
O uso do celular, também tem sido um grande empecilho, tanto por parte dos pais quanto dos filhos, dificultando a proximidade, comunicação e percepção do outro. Vários fatores contribuem para o distanciamento na convivência familiar e cabe aos pais retomar esse lugar de autoridade, firmeza, demonstrando interesse e disposição para ajudar. Dessa forma, relações de confiança serão estabelecidas, estreitando os laços afetivos na dinâmica familiar. As crianças e os adolescentes sentirão segurança, dando lugar ao exercício da liberdade e a construção da autonomia. Portanto, um vínculo familiar harmônico colabora para que as crianças e adolescentes se desenvolvam mais autoconfiantes, seguros, resilientes e com autoestima elevada. Os pais são os principais agentes no processo de motivação, encorajamento e reconhecimento da importância e do valor dos filhos. Cabe a eles a função de educar e, à escola, legitimar essa educação. Entretanto, os pais atribuem à escola a responsabilidade de gerenciar e solucionar conflitos advindos das relações no âmbito familiar.
Quando ocorrem atitudes inadequadas, desatenção, apatia ou agitação, normalmente algo não vai bem no ambiente familiar. Tais comportamentos e atitudes dos estudantes, principalmente na relação com os colegas, são provenientes de situações familiares conflituosas, conturbadas, que refletem na maneira de ser e de se relacionar. As crianças são questionadoras, mas aceitam com mais facilidade as regras e normas de convivência. Já os adolescentes contestam a autoridade parental como uma forma de se estabelecerem como indivíduos autônomos e independentes, entretanto o que querem é o olhar e o carinho. Chamam atenção de diversas formas, negam a necessidade da presença dos pais, mas, na verdade, o que mais desejam é o reconhecimento e a valorização. Dizem que não têm nada para conversar com eles, que o “papo” com a família não é interessante, mas ficam satisfeitos diante da possibilidade de um diálogo. Encantam-se quando há um pronunciamento, um elogio referindo ao seu modo de ser como filhos, sobre suas capacidades e realizações. Eles têm uma grande expectativa em relação a seus pais, porém têm uma forma irreverente de pedir presença e afeto. Na maioria das vezes, apresentam comportamentos e atitudes totalmente contrários ao que gostariam de demonstrar.
Bullying e Insegurança
Medo, insegurança e angústia são sentimentos inerentes à infância e à adolescência, contudo podem ser potencializados por determinadas circunstâncias que comprometem a aprendizagem, as relações interpessoais e a saúde mental do indivíduo: a prática do bullying evidenciada através de agressões verbais, físicas e psicológicas contínuas e repetitivas que intimidam e traumatizam a vítima; no processo de socialização, o não se sentir “aceito” como parte de um grupo provoca isolamento, rejeição e, possivelmente, evasão escolar; por fim, a ausência de objetivos bem como a dificuldade na escolha da carreira, reflexos de um contexto moderno esvaziado de referenciais positivos e estruturantes.
Diante desse cenário e mantendo sua ação integradora, a escola deve ocupar um lugar de escuta, proporcionar orientação e suporte necessário às famílias para que eles enfrentem os desafios da fase de desenvolvimento em que seus filhos estão inseridos, ajudando-os a superar suas dificuldades e conflitos.
Em alguns casos, a própria família, ou o próprio aluno, procuram os profissionais da escola e relatam o que vem comprometendo seu processo de aprendizagem. Quando há necessidade, ocorre um encaminhamento a profissionais especializados. Mas isso acontece em uma escola que abre espaços para que os alunos expressem seus sentimentos, criem vínculos, respeitem as diferenças e saibam trabalhar em equipe.
Acolhimento e Cultura da Paz
É válido reconhecermos a educação como uma chave muito importante para a promoção da saúde mental. Assim, entendemos que o ensino não consiste apenas nas habilidades cognitivas e de conteúdo, mas prioriza a postura ética e o desenvolvimento das competências socioemocionais, tais como, empatia, responsabilidade, respeito e compreensão das diferenças. Tudo isso é construído no ambiente escolar, fortalecido pela ação dos profissionais da educação. A cultura da paz é a tônica na formação das crianças e jovens, considerando que esse modelo que a escola oferece permite ao estudante ser acolhido em suas necessidades, ter a oportunidade de construir e desenvolver o pensamento crítico e o seu projeto de vida. O que define uma escola promotora da saúde mental consiste na sua capacidade de oportunizar ao aluno a vivência da liberdade, dando lugar a seus sonhos e a busca de seus ideais.
Mesmo inserida em um mundo globalizado, conflituoso e competitivo, a escola tem o compromisso de garantir relações saudáveis e harmoniosas, formando pessoas proativas, cidadãs, sensíveis em sua essência, comprometidos com o outro, com ações sociais e com a sustentabilidade da “Casa Comum”.
Somos uma escola em que o aluno é reconhecido e respeitado pelo que é, com seus valores, em que os processos qualitativos se sobrepõem aos quantitativos. Uma escola que vai além dos seus muros, que interage com a sociedade, que promove a cultura, que reflete sobre seu papel político nos diversos cenários, que tem um olhar especial para seus educadores, educandos, que dialoga com a família, que supera desafios e acredita na beleza e na profundidade do ser humano.
A escola que prima pela formação e tem a humanização e a espiritualidade como centro de sua missão educativa, contribui significativamente para a saúde mental de seus alunos e se manterá para o futuro. Nossa escola se humaniza para humanizar. É uma instituição que cumpre a função educativa e formativa, sendo espaço de encantamento e oferecendo um ambiente favorável para o desenvolvimento de talentos e habilidades, sempre respeitando a diversidade e acolhendo o estudante em sua singularidade.
Por Conceição Aparecida Zambrano Britto de Oliveira
Diretora do Colégio Imaculada Conceição de Leopoldina
Psicóloga, especialista em Psicologia Educacional. Psicóloga Clínica com formação em Psicanálise.
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