O presente texto traz uma reflexão acerca da atividade missionária da Igreja. Neste período difícil de Pandemia, olhamos com medo e pavor o fechamento das portas físicas de muitas Igrejas espalhadas pelo mundo afora. Para muitos, foi desesperador vivenciar tal experiência. Não sabíamos quando e nem como voltaríamos. O certo é que, ainda em nosso Brasil, não vivemos a normalidade dos encontros, celebrações e missas. Com o avanço das vacinas e o controle do número de mortes, se iniciou, mesmo que devagar e com cuidado, o retorno das atividades pastorais e missionárias. Neste sentido, gostaria de revisitar a Sagrada Escritura e o Concílio Vaticano II e buscar elementos que possam nos ajudar nesta retomada.
O mundo que habitamos traz inúmeros desafios. Muitas são as mudanças que constantemente contemplamos. Se não bastassem as inúmeras transformações na vida social, ainda presenciamos as crises em decorrência desses movimentos: crise de sentido, das religiões, das utopias e dos paradigmas, da ciência e da razão, das instituições e da identidade. Tudo isso é terreno fértil para incertezas e angústias. Assim, é neste contexto que a missão da Igreja se concretiza.
Com certa urgência, se faz necessário entender: o que é missão? Nas palavras poéticas de Dom Helder Câmara: “Missão é partir, caminhar, deixar tudo, sair de si, quebrar a crosta do egoísmo que nos fecha no nosso eu. É parar de dar volta ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida”. Com efeito, se a missão é partida, saída, caminho para longe do eu, a missão não é minha, nem do leitor atento a essas linhas. Outra pergunta nos surge: De quem é a Missão? A missão é de Deus. É Ele quem toma a iniciativa do diálogo salvador. Quando criou a humanidade, já desejava salvá-la. Em última instância, tem sua origem em Deus e volta para Deus quando, com ouvidos atentos, peregrinamos em direção a Ele.
Enquanto somos peregrinos neste mundo, Deus não se cansa de nos conduzir e salvar. Ele enviou seu Filho único para nos revelar seu amor. Cristo “é a imagem de Deus, o primogênito de toda a criatura” (Col 1, 15). Ao olharmos para Jesus constatamos o amor de Deus. Não é possessivo, mas apaixonante. Capaz de doar a vida livremente e se comprometer com a inauguração na terra do Reino dos Céus. Na entrega total de Jesus, vislumbramos o nascimento da Igreja. No alto da cruz, do lado aberto, jorrando sangue e água se mostra sua dimensão sacramental. Eucaristia e Batismo são sinais reais de uma experiência viva com Cristo. Aqui, se nota uma bússola apontando sempre para Cristo. Ou ainda, nas palavras da Lumen Gentium (LG) escritas durante o Concílio Vaticano II: “A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, pelo poder de Deus cresce visivelmente no mundo” (LG 3).
Caro leitor, já temos aqui construído, mesmo que rapidamente, o alicerce do pensamento missionário da Igreja. Agora, cabe um esforço na direção da aplicação prática. Nunca estiveram tão atuais as palavras iniciais da Gaudium et Spes (GS) do citado Concílio. “As Alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1). Do sofrimento pandêmico experimentado no mundo, se viu o abismo existente entre pobres e ricos. Países adquirindo uma quantidade enorme de vacinas, enquanto muitos padecendo na busca das mesmas. Da morte descontrolada, se produziu indiferença e negacionismo. A partir disso, a Igreja se viu fragilizada pelo impedimento de celebrações. Contudo, se recriou, se modernizou e mesmo com muitas limitações e às vezes amadora demais, não deixou de praticar a máxima deixada por Jesus no Evangelho de Mateus: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19).
Atualmente, ganhamos um frescor missionário latente com a presença encantadora do Papa Francisco. Um pastor que nos guia e nos alegra com suas palavras inspiradoras. O Santo Padre tem se preocupado tanto com a dimensão missionária da Igreja que convocou no ano de 2019 o mês missionário extraordinário. Diante da lacuna missionária, Francisco nos impele para sairmos de nós mesmos e irmos em direção ao outro. De que jeito? Do mesmo jeito que o próprio Senhor e Mestre nos pediu; “não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não vos demoreis para saudar ninguém pelo caminho” (Lc 10,4).
A prática do esvaziamento, ou seja, das renúncias de si mesmo a fim de abraçar Jesus e colocá-lo no centro da vida, produz em nós, povo de Deus a caminho, grandes transformações. A Igreja desejada por Papa Francisco deverá ser: missionária e descentralizada, configurada colegialmente, inculturada, de discípulos missionários autênticos testemunhando na vida a sua fé em Jesus Cristo tendo como opção preferencial os pobres. Estes são alguns temas que perpassam a condução de Francisco na nossa Igreja e nos enriquecem com sua sabedoria inaciana. Assim, nos permitindo mudar mentalidades e discursos, assumindo o discernimento, direcionamos todo nosso esforço para viver intensamente o que sugeriu Santo Inácio: “Tudo para a maior glória de Deus”.
Por fim, em meio ao caos gerado pela pandemia, pensar uma Igreja missionária é abrir as portas da mesma. Talvez, em algumas delas espalhadas pelo mundo os bancos estejam vazios, mas os corações devem se sentir cheios pela presença amorosa de Jesus. Como discípulos missionários, precisamos afirmar no coração e na vida: Jesus Cristo é a missão. Por isso “não podemos deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4,20).
Por Pe. Cristiano Andrade
Graduado em Filosofia e em Teologia.
Assessor da Comissão Missionária Diocesana (COMIDI) da Diocese de Duque de Caxias e professor de Ensino Religioso dos 6ºs e 7ºs anos no Colégio Stella Maris.