A recepção feminina da espiritualidade inaciana: Cândida Maria de Jesus e sua atuação no campo educativo

Buscamos em Cândida Maria de Jesus desvelar o silêncio e a ousadia de sua vida que é movida a uma novidade e atuação concreta na sociedade.

 

Santa Cândida Maria de Jesus

 

Este texto pretende provocar e instigar nosso olhar e nossa reflexão sobre a atuação de Cândida Maria de Jesus, nossa fundadora, no campo educativo a partir da recepção feminina da espiritualidade inaciana, destacando uma contribuição original de caráter espiritual e educativo na formação cristã e integral da pessoa para uma sociedade mais humana, mais justa e solidária. Esperamos que, em nossa comunidade educativa, todos conheçam um pouco da história de Cândida Maria e saliento aqui que sua experiência de fé foi sendo tecida, desde muito pequena, em seu ambiente familiar, dentro de uma experiência cristã.

Em 1869, Cândida Maria de Jesus conheceu o padre jesuíta Miguel José Herranz, que, há algum tempo, diante do contexto do momento histórico da Espanha, pensava ser necessário fundar uma Congregação Religiosa que se dedicasse à educação cristã das meninas. Ele reconheceu em Cândida Maria possibilidades para tal empreendimento, mesmo ela sendo semi-analfabeta.

No dia 02 de abril de 1869, na Igreja do Rosarillo em Valladolid, diante do altar da Sagrada Família em oração, a jovem Cândida Maria de Jesus entendeu claramente que deveria fundar uma Congregação com o nome “Filhas de Jesus” dedicada à salvação das almas por meio da educação e instrução da infância e da juventude. Como poderia ela, doméstica, com pouca instrução, ser a fundadora de um Instituto dedicado à Educação Cristã da Criança e da Juventude? Qual teria sido a força que a moveu a uma tarefa para a qual não era habilitada?

É nessa condição da mulher no século XIX, que em 08 de dezembro de 1871, em Salamanca, na Espanha, Cândida Maria de Jesus e outras cinco religiosas fundaram a Congregação das Filhas de Jesus com a missão de educação cristã da infância e da juventude de todas as classes sociais.

Em 1874, inauguram a primeira escola e nos anos seguintes outras escolas foram abertas por toda a Espanha. Cândida Maria se vê confrontada com a questão da educação de meninas e moças e enfrenta a tarefa de formar mulheres. Uma tarefa ousada, pois, segundo a própria Madre Cândida: “uma época em que a mulher não pisava nas universidades, já pensava na necessidade de as religiosas adquirirem títulos superiores (…) e assim o fiz quando nossa Congregação se consolidou um pouco mais”.

Nesse contexto, vale destacar que a finalidade educativa de sua obra não só responde como um imperativo pastoral da Igreja, senão também na sensibilidade geral do século: a educação é condição indispensável de melhora moral do povo. Cândida Maria, ao fixar como objetivo primeiro o ensino católico, entrava nesta corrente eclesial suscitada pelo Espírito nesses anos.

Para Pilar Ballarin, em um de seus artigos com o tema da educação da mulher no século XIX na Espanha, a educação apresenta-se no momento como a condição prévia mais importante para a emancipação feminina, portanto, analisar as condições de vida e educação da mulher espanhola, ao longo do século pode  nos ajudar a compreender o problema, que, ainda hoje, no século XXI, continua nos grandes debates e discussões em relação  à emancipação da mulher na sociedade. Ainda nesse contexto de discussões, segundo Edith Stein, uma série de mulheres corajosas empreenderam uma luta metódica neste tempo, para que as mulheres de classes mais baixas fossem protegidas contra a exploração e mulheres de classes mais altas tivessem a oportunidade de conquistar novos campos.

Cândida Maria de Jesus pode nos causar admiração, pois projeta sua obra apostólica educacional para além de sua humilde origem, apesar de sua escassez de recursos materiais e humanos, e mesmo com as incompreensões que foi encontrando no caminho. Parece-nos que a recepção e vivência profunda de uma espiritualidade dentro desse contexto a levou a uma atuação pelas vozes esquecidas e caladas de seu tempo, característica nela muito específica dos Exercícios Espirituais (EE) na contemplação do Reino.

A experiência dos EE em Cândida Maria de Jesus a impulsiona a uma atuação concreta na história e circunstância de seu tempo. Ela entende que a Educação é um chamado e uma resposta a identificar-se com Jesus em seu seguimento . Nesse sentido, seu serviço apostólico na educação se expressa por meio de seu trabalho com Jesus.

O gesto e a atuação de Cândida Maria de Jesus, ao fundar uma Congregação, a princípio, de ensino para as meninas, leva-nos ao encontro de um problema essencial no século XIX e que não podemos ignorar. É nesse contexto no qual ela se situa que a encontramos em um projeto de vida ligado fortemente a uma experiência religiosa que a impulsionou ao empreendimento de uma obra.

Buscamos em Cândida Maria de Jesus desvelar o silêncio e a ousadia de sua vida que é movida a uma novidade e atuação concreta na sociedade. Sua obra educativa foi uma luz que contrastou com as sombras políticas e sociais da Espanha naquele período.

Assim, desde o projeto de vida de Cândida Maria, fundamentado pela vivência de uma espiritualidade em diálogo com o contexto histórico da mulher daquele tempo, poderemos encontrar elementos que iluminem também os desafios para as propostas educacionais cristãs de nosso tempo, buscando novas linguagens e práticas para a compreensão, expressão e atualização de sua inspiração, delineando novas perspectivas no campo da Educação Cristã.

A compreensão da vivência da espiritualidade inaciana por Cândida Maria de Jesus pode nos trazer elementos fundamentais para uma maneira própria de educar na perspectiva da recepção feminina dessa espiritualidade, entendendo que o que deu vida e fecundidade à obra educacional empreendida, e que hoje se estende por muitos países no mundo, foi pautado na experiência pessoal de sua fundadora.

Uma experiência espiritual criativa, dinâmica e com força de adaptação em cada tempo e lugar e que, parafraseando a historiadora Michelle Perrot, segue em uma narrativa histórica em construção.

 

Por Patrícia Helena Coimbra, FI
Religiosa Filha de Jesus.
Graduada em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Pós Graduação Lato Sensu- Especialização Espiritualidade Cristã e Orientação Espiritual / Faculdade Jesuita de Filosofia e Teologia (FAJE) Belo Horizonte. Mestranda em Ciências da Religião pela Pontíficia Universidade Católica de Campinas. Professora de Ensino Religioso

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